quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Not yet

Há dias em que parece que sorrio lentamente. Como se no escuro me ouvisse melhor, a pele arrepiada me tornasse mais frágil.
Noutros dias parece que há aqui sentido, mas o que faz sentido? Ou o que pode ter feito sentido?

Encontrei a velha história de embalar, no outro dia,
na rua que é minha e de mais ninguém.
Não doeu.
Aliás, não dói há muito tempo e era autêntico o meu sorriso,
tanto que só depois me apercebi do que me esqueci.
As datas, e eu sou tão fiável com datas, as datas que me passaram, a sequência de números.
Diluídas no
turbilhão que é o presente, presente que me ensina
todos os dias o som e o cheiro da palavra amor.

domingo, 22 de novembro de 2009

Por enquanto

Dias, meses, semanas, anos. E descontam-se. E fazem-se contas.
Mas o tempo não passa. Ou seremos nós que não passamos pelo tempo. Tempo, que nada mais aparenta ser que um bom par de dias que se sucede infinita e pasmadamente.


Gastei os olhos. Não hoje, mas ainda antes de ter percebido que tenho os olhos gastos. Na pressa de não perder, perdi-me. Entre os rostos de sempre e os que ficarão para sempre, esqueci-me de subir as escadas e agora tropeço nos degraus que estão mais instáveis. Eventualmente talvez sempre o tenham sido. Mas agora é que tremem e me dificulta a subida. Onde estão agora?
Gastei os olhos e derreti as asas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Eros & Tanatos

Diz-me o saber enraizado na profundeza dos anos que Freud nem sempre estava errado.
Saber longe é frio. É como se os quadros que andámos a pendurar na parede fossem subitamente levantados por um vendaval imperceptível. À luz de velas, como o retrataria Hitch. Não.

Apetece-me fechar a porta e não regressar. Pegar-te na mão, encostar-te à janela e não me calar enquanto repetimos que nada é melhor que o momento em que o recordamos.
E assim será.


domingo, 11 de outubro de 2009

Rewind, play, forward

Há dias em que acho que sou estranha por me faltarem pessoas que nem pensam em mim. Noutros, tenho a certeza de ter estendido a mão as vezes necessárias para perceber que do outro lado o braço nem se moveu.
Tenho saudade de momentos e sorrisos, mas afinal saber fechar portas nunca foi fácil para ninguém. Aos poucos, as coisas deixam de fazer sentido quando o silêncio se instala. Guardam-se as recordações num baú que nunca cheirará a pó.
São apenas rumos distintos, rostos diferentes, cheiros novos e momentos esquecidos. E no fundo, por mais que se tente, há pessoas para quem não somos mais do que um espelho. Até ao dia em que quebramos.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Entretecidos



E a modos que é isto...

Grazie Gigante ao homem de Marte por ter mostrado isto no momento certo e me ter deixado partilhar com quem faz sentido.

domingo, 6 de setembro de 2009

No I in threesome

Quando acaba a música e a dança se extingue, trémula e etérea, não restamos nós.
Resta a tua amarga pressa de viver e a minha solitária vontade de metades.
Hoje ficaste enquanto eu parti. O nó das horas solta-se e sobra pó.
Não há nós. No fim de contas, estamos sempre sós... resguardados num abraço que apenas adia a fraqueza de não sermos mais.

Nem capazes, nem maiores.

Rasgo a fúria na almofada. O corpo dorido, a alma encardida, e a parede nua. Se houvesse uma asa nesta pele, estaria também ela nua. Volto sempre ao casulo, cada vez mais opaco, cada vez mais escuro, cada vez mais meu. Só meu. E não havia muito para decifrar ou encontrar um antídoto. Caracol. Obscuridade. Sem sentido.

domingo, 30 de agosto de 2009

Esqueço-me

Olho para trás e não sei o que vejo.
Por um lado resta a comichão indómita de se perder alguém pelo caminho, alguém que dava verdadeiro sentido à palavra reciprocidade, cujo sorriso era o nosso sorriso, cuja tristeza nos fazia chover.
No outro lado, a certeza que tudo tem o seu tempo e o tempo é de ser diferente e capaz e maior. Não somos necessários e perdemos significado para os outros. Somos enfeites de prateleira porque não fomos capazes de ser mais.

Ergo a bandeira branca. Não era nada disto que eu queria.
Também nem sei bem o que queria...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

I don't feel the same

Conto os dias e não me parecem todos iguais.
As horas sucedem-se e nelas fluem a mistura de cheiros que viajam comigo.
O sorriso esbate-se com o cansaço, mas há tanto por alcançar e uma só vida para o conseguir.
É dia, e não será noite tão cedo...

terça-feira, 21 de julho de 2009

Na curva do silêncio aprendem-se cheiros novos.
Como o cheiro a rosmaninho enquanto dedilho a tua cabeça adormecida no meu ombro ou o cheiro a narizes que se roçam à esquimó até que um desista e sucumba às cócegas.
Esgarçam-se os fios da felicidade até que a memória não mais consiga absorver, e depois abrem-se os pulmões até que nos doa a realidade.

domingo, 12 de julho de 2009

Boomerang

Das temperanças necessárias e urgentes para um pé bem assente no funambulismo que nunca pensei ser capaz de obter.
Das certezas peremptórias das portas fechadas por esta mão que vos escreve e o desenhou de olhos fechados com o luar a recortar sorrisos inexistentes.
Das palavras que já sabem o seu lugar de impactantes sem resultado, vectores sem direcção nem sentido.
Das pessoas que não conseguimos deixar de guardar num pódio invisível.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Ora então é assim

Caput.
Eis o som que se faz quando as palavras não nos dizem nada. Bem tentam, bem se esfregam contra a garganta, mas o sentido liquefaz-se na borda da boca, e as palavras apenas se aglutinam e não há raciocínio que se lhes consiga decantar.

Sou uma pessoa estranha que não se entranha. Estranha-se, estranha-se, e é essa a sensação que fica. Não me lamento, aprendi a torcer o meu próprio braço, a medir e a conter as palavras que antes me fugiam desabridas, aprendi a serenar e a medir metades de distâncias para encontrar meios termos. E é essa aprendizagem, que se requer constante, que me diz que nem sempre remar nos leva a algum lado.

Deixo-me estar.
Porque não?

domingo, 28 de junho de 2009

Às vezes pergunto-me

... se sabes o valor do teu sorriso. Ou a cor das asas que teimas em queimar. A que cheira a tua impaciência ou o frio em que te enrolas.
Se um dia quiseres saber, haverá café virado para a entrada, essa espera que se faz perto, porque esperar em paz é simplesmente ficar...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Às vezes morre-se.
Não se morre uma vez, vai-se morrendo. Até ao dia em que cá dentro cheira a frio, ainda que o coração bata. Estamos mortos.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Não maltrates a paz

Ontem.
Ontem é uma palavra de cinco letras. Menos uma que amanhã, e mais uma que hoje. As letrinhas fazem diferença.
Ontem lembrei-me de ti e de nós.
Hoje tive saudades tuas, mas não to consegui dizer, ainda que essa culpa me atormente, as mãos fecham-se porque já não sabem o que têm para te dar.
Amanhã continuarás a fazer-me falta, a deambular por aí com palavras que são vãs enquanto não nos olharmos de frente.

O que foi não torna a ser, mesmo que muito se queira...

E ainda assim, ainda assim, é contigo que certas coisas fazem sentido.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Abrir os olhos

Ver que nem tanto mudou assim.
Parece. Mas não mudou...

Continuo a ser a mesma (continuo a ser quem fui), ainda que os olhos de outros não o vejam assim.

E sabe bem encontrar-me, no mesmo sítio onde me deixei ficar (cada vez mais ... aqui).

terça-feira, 26 de maio de 2009

Dez

Do Amor Sem Limites

Enquanto não superarmos
a ânsia do amor sem limites,
não podemos crescer
emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a buscar-nos em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.

(Fernando Pessoa)


E na mansidão do olhar, soube-o. Como se a página de um livro onde tudo está escrito se abrisse subitamente, soube-o. Como se o céu fosse legível a olho nu e as nuvens se formassem apenas para te dar sobra nos dias quentes. Como se o silêncio não doesse ou o olhar não se afastasse. Soube-o. Soube-te pela imponência da tua figura recortada fragilmente no horizonte, havias de ter ganho outra forma, fazes-te pequeno e esguio, insidioso e inocente. Soube-te, e guardei-te, sem tu saberes que nada será igual sem ti.

domingo, 24 de maio de 2009

Do peso

Se a noite é escura, o dia deveria ser brilhante. Ofuscar as mágoas que não tenho e as certezas que em mim trago. A claridade deveria jorrar em golfadas puras de mãos dadas. O ar deveria trazer consigo o cheiro a futuro e não a compasso estagnado.
O rosto deveria ser o meu, e não este que aqui desenho apenas com a ponta do indicador, contra a parede que já foi branca e agora ostenta as cicatrizes velhas do tempo que entretanto teima em passar. O tempo que celebramos e sorrimos, e o tempo que afasta as pontas de uma corda que atou o que o ar não esconde.
E no fundo do mar, onde a âncora repousa, não há paz. Apenas o som surdo e branco, que distorce o meu nome enquanto durmo (ou finjo que durmo), enrodilhada em mim e solta de mim.


(ninguém é quem queria ser)
(mas somos tanto)

domingo, 10 de maio de 2009

Transcontinental

O cansaço impõe-se. Tão somente o cansaço de pensar e mastigar cada palavra, de dedilhar cada som na antecâmara da voz. O corpo voa mas a alma fica em terra. Repousa. Ou tenta.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Em pausa

O silêncio não é maior. É o eco dos passos que não dou que se abeira de mim, é esse o eco que tem toda a dimensão, que invade os muros da noite e esconde a luz que julgava segurar com força na mão direita.
Restos do dia impregnam-se na retina e persistem nos ouvidos, transformados pela passagem inexorável do tempo... E nestes restos de dia, tanto que desejava que tivessem sido dias diferentes...

quinta-feira, 16 de abril de 2009

É tarde

Tarde para reflectir, agora que os espelhos se aguçam e soltam dos tectos das ideias.
Abro os olhos e o rio não voltou. Fecho o corpo e a dor não partiu. Ensaio um sorriso e a visão permanece toldada. Há (mesmo quem tenha de) partir para (eu) ficar.

domingo, 12 de abril de 2009

Da verdade

Não se ouve porque o pensamento é invisível aos olhos, espraia-se na mente mas não provoca ruído algum.
Sente-se, e a verdade existe. Onde a quiser encontrar, ela olha-me, vê-me, quase me toca. Todos os dias. Mas mais hoje.

domingo, 5 de abril de 2009

Esse mar ...

Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.




Pudessem os dias ser a paz que abraçamos. Pudessem as mãos sentir o que a garganta cala. Pudesse o sol queimar a saudade. Pudesse o deserto ser atravessado num voo rasante. Pudesse o mundo parar por um segundo para que te visse, assim, só como és. Pudesse o futuro desvelar-se da ansiedade. Pudesse a humidade dos olhos ser fruto da alegria. Pudesse o amor apenas ver.
E se assim fosse, ainda estaria eu aqui?

"Abraço o teu caminho e divago contigo para qualquer rumo"
(qualquer coisa possível fez-nos acreditar)

domingo, 29 de março de 2009

Tudo escorre

O tempo não me abraça, sufoca-me. A paciência perde-se, o sorriso esgota-se. Como pode algo que nos fez tanto sentido ficar reduzido a palavras desprovidas de qualquer cumplicidade? Assim se perde o que inimaginavelmente nos uniu.
Fica um vazio que não o chega a ser. O espaço que ocupaste cedeu, à força de tentarmos não levar a distância que nos impusemos demasiado a sério.
Não me apetece contar-te as novidades. Nem te sorrio ou desejo boa sorte, não te aceno enquanto o adeus se deixa estar suspenso no ar... e nada disto é novo ou velho, desejado ou evitado. Tudo escorre, sim, mas nem tudo se renova.

terça-feira, 24 de março de 2009

Para variar do negro...

the direction of the eye
so misleading
the defection of the soul
nauseously quick

I don't question
our existence
I just question
our modern needs

I will walk...with my hands bound
I will walk...with my face blood
I will walk...with my shadow flag
into your garden
garden of stone

after all is done
we're still alone
I won't be taken
yet I'll go...

I will walk...with my hands bound
I will walk...with my face blood
I will walk...with my shadow flag
into your garden
garden of stone

I don't show...
I don't share...
I don't need
what you have to give...

quinta-feira, 19 de março de 2009

Da linguagem do infinito ao abraço da terra

... sou ínfima para explicar estas palavras, mas foi por elas que me apeteceu trocar o "amo-te" dos dias. Invadiram-me, e eu permaneci nelas, contemplei-as, e ainda agora estou a tentar compreendê-las ...

sexta-feira, 13 de março de 2009

Vácuo

De repente as palavras atrapalharam-se e o silêncio empurra. Tento fechar-lhe as portas do meu corpo, mas a ausência é uma lutadora feroz, rasga-me a pele e esconde-se. Sei-a lá, mas não a consigo encontrar para expulsar para mim. Apetece-me esbofeteá-la, sacudi-la, exorcisá-la, mordê-la e arranhá-la.
Inerte, o corpo é apenas meu, e apenas o corpo é meu.

terça-feira, 10 de março de 2009

Dos rios

Estava à beira do Tejo, olhos postos nas águas que não serão as mesmas ao meu próximo olhar. Heráclito, ninguém se banha duas vezes na água do mesmo rio. A lei de Lavoisier no seu expoente máximo, nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma.
Nesse tempo, o da beira-rio, era um mar de risos que me ecoava na cabeça, a tentar ocultar uma dor da qual não tenho memória. Hoje, quando passo pelo rio, fecho os olhos para trazer esse momento aos confins da retina, vejo-o tão nitidamente como se viajasse no tempo.
É por isso que o amor nos transforma, é nisso que o amor nos transforma. Sem nos perdermos, não seremos os mesmos. Bebo o passado de um trago, aconchego-o no peito, e vejo-o mudar, cambiantes efémeros, enquanto dou a mão ao futuro.


Este sorriso não precisa de memória...

segunda-feira, 2 de março de 2009

A qualidade indefinível

Estende-se na areia da pele. Acende-se na mansidão da noite. Murmura-nos paz no turbilhão dos passeios que não damos por percorrer. Impregna-se nos gestos simples, cola-se ao rosto como se palpável fosse. E é.
Todos os dias foram corredores sombrios com luzes de néon antiquadas e gritantes. Todas as horas foram prévias ao acender do sol. Todas as notas se suspenderam até este suspiro. Nenhuma cegueira se desfez, nenhum frio se imolou, mas todas as manhãs nasceram em olhares.

(revisitar passeios
redescobrir momentos
e aconchegar memórias
bem no fundo
como se nascessemos
todos os dias)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A espera

Traz o frio colado na pele molhada. O arrepio de ver mas não reconhecer. O sorriso que nada mais é que a incerteza dos passos que se dão. Mas sorri-se, porque as palavras morrem de medo na garganta. Vê-se, olha-se, insiste-se em ler e reler no olhar que se encontra o olhar que se quer. O pânico que se cola à garganta é o mesmo que nos encontra no espelho todas as manhãs.
E a corda, sempre ao lado da espera, sempre esperando que a espera finde.
Faz frio hoje. Faz frio mesmo dentro do teu abraço despojado de palavras.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Extemporâneos

Fomos. Em cima de um cavalo de muitas rodas e chapa colorida. Fomos, ao som inerte da estrada devorada e da terra desbravada. Fomos, na mansidão de um dia que passa devagar e se arrasta até ao nascimento da noite.
Chegámos. Ao calor das pedras que aconchegam o sono e velam a madrugada. Ao frio cortante das estrelas que dançam entre as nossas mãos entrelaçadas sem voz. Chegámos ao ínfimo das personagens despidas que nunca fomos e soubemos que éramos assim, nus, para que fossemos nós. Chegámos, ao fundo do tempo e ao cume das saudades, bradámos ao mundo cego que a alma das gentes é sempre gigantesca comparada com a alma de betão solitário que os olhos fechados teimam em ver.
Ficámos, esbanjados num abraço de palavras e perdidos de toda a alma que magoa. Ficámos, esquecidos no pôr-do-sol, acordados pela brasa de um cheiro que nunca se esquece. O amor é isto, e nada mais...
E na hora de partir, a certeza de ter ido, de ter chegado, e de ter ficado para além do corpo que regressa.


terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Parar

É bom ... sentir o tempo correr entre os dedos e deixar-me estar. Tudo (re)começa agora. 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

*" ana liliana barcelona (ou de como escrever é, infelizmente, mais fácil do que falar)

Sobre ele:
Há coisas assim, complicadas. Esperamos que se descompliquem, encontrar um botão, um manípulo, uma tecla delete, um erase qualquer. Esperamos incessantemente que a vida siga o seu caminho, sempre com a lembrança atrás da orelha. Dias e noites a fio a seguir caminhos que nunca percorremos para uma noite nos bater uma diferença à porta. Aceitamos a diferença, inebriamo-nos por ela, apaixonamo-nos por ela e sabemos que estamos bem. Estamos. Bem. E o mas é a lembrança atrás da orelha. O mas faz tremer o chão, a terra, o corpo e a sede. Mas, a vida seguiu. Mas estávamos bem, ora não estávamos? Decidimos que sim, que tínhamos descomplicado, que abraçávamos um outro projecto, a dois, e nesse projecto o que cabia era um mundo novo. Cada um tem de tratar das suas nódoas negras sentimentais. As lembranças atrás da orelha escondidas entre os quarteirões vizinhos. E decidimos, entre o racional e o emocional, que as lembranças são apenas isso: passados que foram mundos que nunca chegámos a conhecer. Mas que não negamos, ora aparecem, ora desaparecem. Assim. Aceitam-se assim. Despedem-se mas sabemos que nunca é para sempre. Nada é para sempre. Não existe nem nada nem sempre. Só os dias...

Sobre ela:
Há coisas assim, egoístas. No fundo eu sei que toda a gente acaba sendo assim. E as lembranças que queríamos que fossem nossas fogem para trás das orelhas de quem nos quer tão bem. Tentamos, do fundo do ser que se reconstrói, aceitar. Sorrir e apreciar. Não se consegue. Tenta-se. Uma, outra vez, tantas as que precisas sejam. Recorre-se à distância. Mas sabemos que as lembranças atrás da orelha são nossas. Deixamos que percam sentido, que se minimizem perante as que agora se instalam sonhadoras atrás da tua orelha. Não queremos estragar nada. Estragamos tudo. Rasgamos presentes na ânsia de não sobrevalorizar o passado. Olhamos para o nosso umbigo e lá não encontramos nada. Parece que dói mais o vazio do que ficar para trás. Parece que somos esquecíveis. Esquecemo-nos, portanto. De nós, mas nunca dos outros. Cada vez mais outros se encaixam atrás das orelhas, vozes que nos faltam, sorrisos voltados para a porta, manias. Das que fazem rir. Mas que partem para outras companhias, mais sorridentes, menos egoístas.

Barcelona:
Há coisas assim, inexplicáveis. O silêncio cola-se aos ouvidos e as letras perdem-se no sono. Discutem-se músicas, trabalhos, diversões. Tudo isso conta e é importante. Mas no silêncio, em que tudo pára, sei que é insuficiente e diferente. Do que foi e do que é. Ainda. Das cumplicidades não me ocorre comparação que não seja pequena. Do tempo que as afasta e da distância que as traí, perco-lhes a culpa. Culpa. Raio de palavra, não ajuda ninguém, não serve para nada. Se me apetecer chamar culpa ao peso que trago, chamar-lhe-ei, mas para mim foi mais necessidade do que culpa. De espaço, de interiorização. Sei que talvez não tenha medido as consequências de me proteger a mim em vez de nos proteger a nós. A certeza de que precisavam de espaço sem mim. Ponderação é o teu forte, não o meu. Mas ainda assim, ainda assim... Fazemos-me falta.

(eu estou bem ... quase tão bem ...)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Derivadas

... de caminhos que não faço, as minhas saudades sobejam de qualquer chuva que pudesse restar neste canto despido ...
... desta inconstância que ferve dentro deste corpo, recuso prender os pulsos a outra imagem que não a tua, a outro toque que não o teu, a outro cheiro que não o que me invade quanto o pensamento voa para o aconchego nu dos teus braços ...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Urbanidades

Desço de mim. A luz caótica fere a dança das folhas que agora se atropelam para fugir de um frio que se entranha. A descida é lenta, como se eu fosse uma escada, encaracolada no frio que exalo. Sou a cidade invernosa e anseio pelo verde primaveril. 

Em cada recanto, velhos atiram cartas em mesas improvisadas, cuspindo impropérios antigos, miúdos fingem que sabem crescer e fumam alcatrão empestado de promessas, mulheres encontram olhares que homens fingem não ser seus. A cidade, eu, tudo suporta, pisada, calejada, e perene. Esquecida e inesquecível. Contenho e sou contida em cada respiração dos passos que me dobram.
Da janela das avenidas vejo os cães mijar-me nas veias e os pássaros a devorar-me os dedos. Também a eles os suporto, nas suas passadas lentas e solitárias, ao frio que não faz e ao calor que nunca nos chega a aquecer.  

Chego ao fim da escada em caracol, os ferros dobram-se e dilatam-se à minha passagem. É o som fabril que se perdeu há décadas, e me faz recuar anos de cimento. Desço as pálpebras, preciso de dormir. Eu, que nunca durmo. Nunca dormi.