quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Urbanidades

Desço de mim. A luz caótica fere a dança das folhas que agora se atropelam para fugir de um frio que se entranha. A descida é lenta, como se eu fosse uma escada, encaracolada no frio que exalo. Sou a cidade invernosa e anseio pelo verde primaveril. 

Em cada recanto, velhos atiram cartas em mesas improvisadas, cuspindo impropérios antigos, miúdos fingem que sabem crescer e fumam alcatrão empestado de promessas, mulheres encontram olhares que homens fingem não ser seus. A cidade, eu, tudo suporta, pisada, calejada, e perene. Esquecida e inesquecível. Contenho e sou contida em cada respiração dos passos que me dobram.
Da janela das avenidas vejo os cães mijar-me nas veias e os pássaros a devorar-me os dedos. Também a eles os suporto, nas suas passadas lentas e solitárias, ao frio que não faz e ao calor que nunca nos chega a aquecer.  

Chego ao fim da escada em caracol, os ferros dobram-se e dilatam-se à minha passagem. É o som fabril que se perdeu há décadas, e me faz recuar anos de cimento. Desço as pálpebras, preciso de dormir. Eu, que nunca durmo. Nunca dormi. 

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